segunda-feira, 30 de agosto de 2004



29/08/2004 - 14h12
Mesmo agredido, brasileiro conquista o bronze na maratona
Murilo Garavello
Enviado especial do UOL
Em Atenas (Grécia)*

Um manifestante roubou a cena e ajudou a afastar a medalha de ouro de Vanderlei Cordeiro de Lima na maratona, a tradicional prova que encerrou a 28ª edição dos Jogos da Era Moderna, neste domingo. O brasileiro teve que se conformar -e comemorar muito- com a de bronze.

Veterano de outras duas Olimpíadas, o fundista de 33 anos tinha vantagem de meio minuto sobre o segundo colocado por volta dos 36 km dos 42,195 km, quando o torcedor fantasiado com traje típico irlandês -saia, boina e meias compridas verdes e laranjas-, invadiu o trajeto, agarrou e tirou o maratonista da pista.

O infrator foi rapidamente detido pelos policiais, mas o paranaense demorou cerca de 20 segundos para se livrar dele e retornou abalado para a rua.

Segundo as autoridades locais, o indivíduo não portava documentos, mas seria o padre Cornelius Horan, o mesmo que invadiu a pista de Silverstone, no final do GP da Inglaterra de F-1 para divulgar mensagem religiosa no ano passado.

Vanderlei manteve a liderança por alguns quilômetros, mas foi superado pelo italiano Stefano Baldini e pelo norte-americano Mebrahtom Keflezighi e terminou em terceiro lugar, com o tempo de 2h12min11s -a 1min16s do vencedor e 42s do segundo.

"Senti uma raiva enorme. É um bronze que vale ouro. Ele tinha 25 segundos de vantagem, o que da uns 250 metros. Mesmo se os outros tirassem uns três segundos por quilômetro, não iam alcancar. Ele perdeu pelo menos uns 20 segundos ali, perdeu a concentracao, teve de recuperar o ritmo", afirmou o técnico Ricardo D'Angelo.

O COB (Comitê Olímpico Brasileiro) recorreu da decisão, exigindo a medalha de ouro também para seu corredor, mas o júri da Iaaf (Federação Internacional de Atletismo) decidiu manter o resultado. E conceder um prêmio de consolação a Vanderlei o Prêmio Barão de Coubertin pelo "espírito olímpico" que demonstrou ao completar a prova.

"Além do tempo que perdeu, o Vanderlei foi muito prejudicado porque teve de parar, quebrar o ritmo. Você já imaginou como é parar de correr após 36 quilômetros e ter de começar de novo? Isso sem mencionar o aspecto psicológico", disse Martinho Nobre, chefe da delegação brasileira em Atenas-2004.

O COB promete recorrer agora à Corte Arbitral do Esporte, entidade máxima. Mas Nobre descarta uma reviravolta no resultado. "Quando a prova termina, não há como mudar o resultado. O recurso vai dar em nada", disse, conformado.

A reportagem do UOL Esporte entrou em contato com o Comitê Organizador das Olimpíadas por oito vezes. Atarefados com a cerimônia de encerramento e, ao mesmo tempo não querendo se alongar sobre um dos poucos incidentes lamentáveis das Olimpíadas, o Athoc segue afirmando que "ainda não tem uma posição oficial".

Ineditismo
Vanderlei Cordeiro começou a surpreender antes dos 10 km, em que saltou do 35º lugar para a primeira posição. Depois, rompeu os 15 km na 16ª colocação, permanecendo porém no pelotão da frente. A partir daí, assumiu a liderança até o incidente.

Pouco antes dos 40 km, acabou sendo ultrapassado por Baldini e Keflezighi e passou a ser ameaçado pelo britânico Jon Brown, mas conseguiu administrar a vantagem para se tornar o primeiro brasileiro a subir no pódio da maratona.

O bronze também redimiu o atletismo brasileiro, que falhou em Atenas com suas duas grandes esperanças - o 4x100 m rasos e o salto triplo.

O revezamento pretendia se firmar como prova de excelência nacional (vinha de prata em Sydney-2000 e bronze em Atlanta-1996), mas errou em sua especialidade, a troca de bastão, e ficou em último lugar na final de sábado (28).

Já o salto triplo acenou para um retorno triunfante ao cenário mundial, relembrando os ouros de Adhemar Ferreira da Silva (Helsinque-1952 e Melbourne-56), a prata e o bronze de Nelson Prudêncio (Cidade do México-68 e Munique-72) e os bronzes de João do Pulo (Montréal-76 e Moscou-80).

Mas Jadel Gregório ficou só no engodo - chegou a declarar publicamente que a incerteza residia apenas na cor da medalha - e na tímida quinta colocação.

O atletismo perdeu o posto de esporte mais vencedor da história olímpica brasileira, devido aos títulos de Robert Scheidt na classe Laser e de Torben Grael/Marcelo Ferreira na Star. A vela agora tem seis ouros, duas pratas e seis bronzes. Com 13 medalhas (três, três e sete), o atletismo tem uma a mais do que o judô (dois, três e sete).

Perfil
Ex-jogador de futebol, como diversos atletas brasileiros, Vanderlei Cordeiro de Lima nasceu em Cruzeiro D'Oeste (cidade em que se refugiou o ministro da Casa Civil, Zé Dirceu, durante a ditadura militar) e foi criado em Tapira, ambas no Paraná.

Depois de um período em Maringá, o corredor foi para São Paulo, para integrar a então poderosa equipe da Funilense. Em 1998, conseguiu seu melhor tempo (2h08min31s), na maratona de Tóquio.

Além do bicampeonato no Pan-Americano, Vanderlei guarda em sua memória duas vitórias importantes: da maratona internacional de São Paulo-02 e de Hamburgo-04.

Nas Olimpíadas de Sydney, Vanderlei não conseguiu cumprir seu objetivo de chegar entre os dez primeiros. Depois de um treinamento intenso na altitude da Cidade do México, o maratonista se contundiu e correu a prova olímpica no sacrifício.

*(colaborou Cláudia Andrade, em Atenas)
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Sem comentários sobre o irlandês maluco. Como Gil me disse há pouco pelo Messenger, por mais que se invista em segurança, sempre pode acontecer alguma coisa do gênero, por causa de gente que só quer aparecer... e neste caso, empacar completamente uma prova que podia terminar em ouro, mas acabou num belo bronze.

De toda forma, fantástico desempenho do Vanderlei Cordeiro. Foi uma medalha inesperada, mas que deve ter sido a maior felicidade de todos nós. O Vanderlei podia ter entrado no estádio com cara de poucos amigos, mas entrou feliz, fazendo aviãozinho e mostrando a alegria de estar entrando no estádio Panathinaiko entre os medalhistas.

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