segunda-feira, 19 de julho de 2004

Music Non Stop, Techno Pop...
 
18/07/2004 - 07h47
Ralf Hütter, fundador do Kraftwerk, diz como será o show que fará no Brasil
 
THIAGO NEY
da Folha de S.Paulo

No começo era o Kraftwerk.

É humanamente impossível dissociar de qualquer coisa produzida eletronicamente nos últimos 30 anos a influência desses alemães, que injetaram na música o conceito "homem-máquina".

Beatles e Elvis à parte, nenhum artista ou banda foi tão decisivamente importante para a evolução do mundo pop quanto o Kraftwerk. Com a diferença de que este último permanece quase como um enigma.
Criado em 1970 por Ralf Hütter e Florian Schneider, o grupo alterou parâmetros ao utilizar sintetizadores e computadores no processo de criação de música. Entre 74 e 81, produziu uma seqüência de cinco álbuns ("Autobahn", 74; "Radio-Activity", 75; "Trans-Europe Express", 77; "The Man Machine", 78; "Computer World", 81) soberbos; dificilmente encontra-se paralelo na história do pop.

Ainda assim, não é muito o que se sabe sobre o hoje quarteto. Vêm de Düsseldorf, onde construíram o estúdio KlingKlang. E são, Hütter e Schneider, fanáticos por ciclismo.

Raramente o Kraftwerk dá entrevistas ou posa para fotos. No ano passado, o jornal britânico "The Guardian" enviou repórter à cidade alemã para desvendar os segredos do Kraftwerk. O jornalista passou dias no local, entrevistou moradores, donos de lojas de disco e de artigos para bicicletas e... nada. Não conseguiu nem achar o KlingKlang.

Em 2003, após hiato de 17 anos, lançaram "Tour de France Soundtracks", disco-homenagem à competição ciclística francesa. Pois o Kraftwerk está de volta. De volta ao Brasil, onde realizou show histórico em 1998. Em 7 de novembro, o grupo toca no Tim Festival, em São Paulo. No dia seguinte, se apresenta em Brasília.  E, na última quinta, Ralf Hütter conversou com a Folha, por telefone, de Düsseldorf.

Folha - Há sempre uma expectativa em torno do Kraftwerk. O que vocês estão fazendo?
Ralf Hütter - Estamos finalizando a remasterização do catálogo do Kraftwerk. E há três ou quatro semanas voltamos de uma turnê. O último show foi em Moscou.

Folha - Há planos para novo CD?
Hütter - Claro. Mas primeiro vamos terminar essas remasterizações, finalizar a arte, estamos escolhendo fotos antigas. Acho que o resultado será muito bom. Depois trabalharemos em faixas novas. Já testamos algumas. Estamos experimentando.

Folha - Vocês tocaram no Brasil em 98. Como será o show de 2004?
Hütter - Foi uma experiência incrível em 98. Nós do Kraftwerk viemos de outro ambiente, mais industrial. A reação das pessoas foi fantástica. O próximo show sede "Tour de France", músicas que não costumamos tocar, teremos novos equipamentos, laptops, elementos gráficos.

Folha - Você iniciaram o Kraftwerk no final dos anos 60...
Hütter - Em 1968. Eu e Florian montamos um grupo chamado Organisation. Em 1970, montamos o estúdio KlingKlang e formamos o Kraftwerk.

Folha - Vocês praticamente iniciaram a música eletrônica como a conhecemos. Como você vê hoje esse tipo de música? Tem orgulho do que ajudou a criar?
Hütter - Sim, claro, vemos a reação das pessoas pelo mundo. Na última turnê tocamos nos EUA, Canadá, Rússia, Eslovênia, Hungria, países que nunca tínhamos visitado. Para nós isso é fantástico, a linguagem eletrônica é universal, essa sempre foi a nossa missão. A música de hoje deve ser feita com as ferramentas de hoje. É a realidade de hoje, vimos isso na tour pelo Japão e seis anos atrás no Brasil. Vocês têm uma música acústica muito variada, mas mesmo assim a reação ao Kraftwerk foi muito forte.

Folha - Por que a música do Kraftwerk, após 20, 30 anos ainda é considerada atual?
Hütter - Acho que por causa das composições... Nós fazemos como que uma música-filme e incrementamos com outra energia. Por exemplo, "Autobahn" ou "Trans-Europe Express" são como conceitos, não é apenas música nota por nota; faz parte de um contexto sociológico...

Folha - Sobre os artistas e produtores de hoje, você gosta?
Hütter - Sim. Temos relações com o pessoal do electro, gente de Tóquio ou Detroit. Nos levam para clubes, às vezes até dançamos com nossos passos de robô...

Folha - O Kraftwerk é influência enorme para artistas de hoje...
Hütter - Pelo mundo dos sons. De carros a trens a computadores, sons humanos, como batidas de coração, respiração, por várias linguagens. Gravamos em alemão, em inglês, há letras em latim. Trabalhamos na verdade com diferentes linguagens.

Folha - Você é conhecido pela paixão por ciclismo. Como relaciona o ciclismo com o conceito "homem-máquina" que vocês defendiam nos anos 70?
Hütter - [O ciclismo] é uma representação do homem e da máquina em harmonia. Guiando a bicicleta você deve utilizar o corpo, a inteligência, a técnica. É o mesmo com a música. Você fica em harmonia com seu corpo. Para nós é como um treino perfeito quando não estamos no estúdio.

Folha - É verdade que "Autobahn" é uma resposta a "Fun Fun Fun", dos Beach Boys [pela mútua procura do perfeccionismo, o Kraftwerk já foi chamado de Beach Boys de Düsseldorf]?
Hütter - Não exatamente. A idéia daquela música veio quando, no início do Kraftwerk, nós percorríamos muito uma autobahn [auto-estrada] pela Alemanha, de universidade a galerias de arte, de cidade a cidade, e, depois dos shows, voltávamos a Düsseldorf, pois não tínhamos dinheiro para dormir em hotéis. Viajávamos no meu Volkswagen e pensávamos: "Algum dia alguém vai tocar nossa música num rádio de carro".
Daí que veio o conceito [verso da canção] "Fahr'n fahr'n fahr'n auf der Autobahn" [dirigindo, dirigindo, dirigindo pela superestrada; sonoramente, em inglês, é como "fun fun fun on the Autobahn"]. Naquela canção, os sintetizadores são como imitações do motor de um carro, criando sons como os de um carro. É uma fantasia tecno.

Folha - Muita gente considera o Kraftwerk uma lenda da música, dizem que vocês são mais influentes do que os Beatles. Você tem idéia desse culto em torno do Kraftwerk?
Hütter - Sempre pensamos em compor música para o futuro. Sempre nos concentramos muito em nosso trabalho no KlingKlang. Para nós isso é fantástico, pois, como disse antes, no começo tocávamos em espaços pequenos e hoje viajamos o mundo com todo o nosso equipamento e vemos a reação das pessoas.

Folha - O KlingKlang é como uma casa para vocês...
Hütter - É o nosso "laboratório eletrônico".

Folha - E nesse laboratório eletrônico vocês se afastam completamente do mundo: não têm telefone, fax, recepcionista, não recebem correspondências... Por que vocês preferem manter o mundo afastado do KlingKlang?
Hütter - Porque é o nosso laboratório. Nós fechamos as portas, o ambiente fica quieto e aí podemos nos concentrar apenas na música, no projeto Kraftwerk. Hoje existe um problema sério: todos têm celulares, ninguém consegue se concentrar. Então vamos ao estúdio, fechamos as portas e, por algumas horas, mergulhamos fundo na música. Acho que isso é o mais importante no Kraftwerk.
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Murphy é um cara filho de uma quenga mesmo. Porra, eu vou pra São Paulo no final de outubro e uma semana depois o Kraftwerk dá as caras na cidade? Realmente, o clichê tá certo: não dá pra ter e querer tudo de uma vez na vida. Impressionante.
 
E graças aos céus que não é o New Order. Senão eu já estava pedindo aquele empréstimo insano no banco pra falir de vez...:)
 
 

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