quinta-feira, 22 de março de 2007

Maria Antonieta




Demorou, mas chegou. Depois de meses de espera e um quase lançamento direto em DVD, finalmente Maria Antonieta, último filme de Sofia Coppola, desembarcou nas salas de cinema brasileiras. E apesar da restrita distribuição, deu pra conferir.

Primeiro, um fato: eu gosto muito da Sofia Coppola. Tanto As Virgens Suicidas (1999) como Encontros e Desencontros (2003) estão entre os prediletos da casa. Dito isto, vamos pra Maria Antonieta.

Terceiro filme, terceiro universo completamente diferente. Nada de subúrbios americanos dos anos 70, nem de metrópoles estranhas. Desta vez, o cenário é a França
do século XVIII, a era de Maria Antonieta, a rainha imortalizada nos livros como frívola, fútil, desinteressada dos assuntos da monarquia e, posteriormente guilhotinada. E esta biografia tem a dose de polêmica necessária, com sua pompa, circunstância e tudo mais que um grande filme de época tem direito. E Sofia conseguiu um bônus especial: o direito de filmar nas dependências de Versailles. Mais realista,
impossível.

Só que a filha de Francis Ford não quis enfocar esses aspectos históricos. Ela resolveu, em vez de previlegiar os aspectos políticos da história, colocar um lado mais humano na coisa. Ou seja, a diretora fez questão de humanizar a rainha, ou mostrar que nem tudo foi o que parecia ser. Depedendo do seu ponto de vista, você pode até achar que a diretora quis tornar Maria Antonieta uma figura simpática e injustiçada.

O filme começa com Maria (muito bem interpretada por Kirsten Dunst, em sua segunda parceria com Sofia Coppola) aos 14 anos, forçada a deixar sua Áustria natal
para casar-se, devido a um acordo político, com o delfim da França, Louis (Jason Schwartzman, de filmes como Rushmore); este não se mostra muito interessado em casamento, mas os costumes da época o obrigavam a fazê-lo. A delfina austríaca é recebida com frieza pela corte de Versailles, e aos poucos sua relação com Louis começa a gerar fofocas, intrigas e afins da nobreza, já que o tempo passa e nada deles gerarem um herdeiro para o trono. A mesma corte que reclamava de Maria fazia vista grossa pra cortesã amante do rei. Em resumo, mesmo num palácio com quase 4 mil moradores, Maria sentia-se extremamente solitária e sufocada, e o filme deixa isso bem claro. Aos poucos, e em especial depois se tornar-se rainha de fato, quando ela começa a impor seu estilo menos formal e mais divertido e hedonista no palácio. Festas sem fim, noites em claro, tudo que hoje parece normal para uma adolescente, até a arte de "ficar", à moda da corte de Versailles, claro. Só que na época simplesmente não havia o conceito que temos hoje de juventude, adolescência e sexo nesta idade. Um anacronismo bem proposital, mas não foi o único que vimos no filme.

O filme salta no tempo, mostra episódios e situações significantes no histórico de Antonieta, e vai caminhando até seu final, que se não é sensacionalista, trágico ou gráfico, é dramático na medida certa, e mostra o carisma e a força da rainha, e mostra uma surpreendente faceta do rei.

O elenco de apoio mostra competência. Rose Byrne, Asia Argento, Rip Torn, Steve Coogan e até Marianne Faithful estão discretos na medida certa. A estrela mesmo é Kirsten Dunst, que acerta tanto na jovem delfina como na rainha mais velha.

Direção de arte e figurino merecem destaque, a primeira pelo fato de terem aproveitado ao máximo as instalações de Versailles, e o segundo por abusar de todo o luxo que Maria Antonieta impôs na corte. Muitos dizem que todos os conceitos que existem hoje de moda, alta costura e afins nasceram daquela época. E numa brincadeira anacrônica e deliciosa, em certa cena aparece um objeto que seria bem "fashion" dois séculos depois.

E a trilha sonora... bem, neste campo, Sofia Coppola já se mostra como uma espécie de Cameron Crowe de saias. Sofia, que já tinha acertado nas trilhas de seus filmes anteriores, desta vez faz um golaço e desde já deixa a seleção sonora do filme como uma das mais bacanas de todos os tempos. Em vez da tradicional trilha erudita que costuma acompanhar esse tipo de filme, ela pegou uma mistura de obras clássicas do século XVIII, temas instrumentais moderninhos e música pop-rock/new romantic do começo dos anos 80. A razão: elas celebravam, dentre outras coisas, o mesmo hedonismo que Maria Antonieta e seu séquito sempre buscaram. Então temos Gang of Four na abertura (que, usando muito cor-de-rosa, já entrega o tom visual do filme), Siouxsie & The Banshees num baile de máscaras, New Order acompanhando uma longa cena de jogatina... só vendo pra crer. E, ao final, um The Cure da fase mais deprê pra casar perfeitamente com a melancolia da despedida.

Gostei muito do filme. Muitos criticaram o fato dele ser "estiloso demais"; mas foi mesmo a intenção da diretora. Conteúdo discreto dentro de uma estética explícita. Tomara que com o tempo quem não compreendeu passe a aceitar melhor a escolha de Sofia.

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