sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Foram DEZOITO anos de espera. Várias vezes davam uma nova turnê brasileira do New Order como certa e de repente morgava tudo. Mas desta vez confirmaram. Aí, pra minha falta de sorte, eles resolvem vir quando eu estou muito lascado de grana e desempregado. Há uns vinte dias do show, eu honestamente achava que não iria. Cheguei até, num típico gesto de quem já estava desesperado, em imaginar o que faria nos dias de shows. Ficar ouvindo NO o dia todo em casa, provavelmente. Ou vendo os shows em DVD – segundo uma pessoa que eu conheço, “no DVD não é a mesma coisa que assistir ao vivo?” Seria um enorme consolo, né?

Mas eis que deu-se a reviravolta, e o resto da história quem acompanhou na comunidade do orkut sabe: fizeram campanha de arrecadação de recursos pra que eu fosse ao show! Não acreditei que alguém fosse ter coragem, mas tiveram. Daí, muita gente ajudou, até meus pais acabaram entrando com dinheiro aos 49 do segundo tempo! Não cansarei de agradecer a todos que ajudaram com grana, que deram força, que me empurraram pra esse sonho se realizar. Andréa, Paula, Luiz Ângelo, Josué, Felipe, Cláudia (do Rio), Karin (que é co-moderadora da comunidade) e todos os outros. E, claro, Gil, né? Ela viabilizou a maior parte disso tudo, e sempre me estimulou a não desistir, pra dizer o mínimo.

Cheguei no Rio na terça, dia 14. O caos que anda assolando nossos aeroportos não atrapalhou e cheguei no horário. Fiquei hospedado na casa do amigo Gabriel Câmara, cuja família (e cachorro) me recebeu maravilhosamente bem. Também não cansarei de agradecer pela hospitalidade e pelo carinho de todos.

Pulando dois dias, que incluíram cinema, caminhadas de handebol de areia (!) - isso rende um post especial depois - ... chegou o grande momento!

Rio de Janeiro num dia de verão, com sol quente o dia todo. Cheguei no Vivo Rio por volta das 7 da noite. Antes, tinha ido numa Casa & Vídeo da vida pra comprar pilhas vagabundas pra minha câmera, achando que ia rolar algum tipo de revista. Já no Aterro do Flamengo, já havia algumas pessoas na fila, e fui reconhecendo os rostos de alguns da comunidade do orkut, de outros do fórum do NewOrderOnline, o que transformou o evento numa grande reunião de amigos unidos em torno de uma causa: o New Order. O clima na fila tava tão bacana que nem liguei pro fora que levei do Peter Hook e do segurança dele (isso eu conto em outro post).

Antes mesmo da pista aberta, pinta a notícia de que as câmeras estavam liberadas. Abriram, e o povo foi entrando. Reservei meu lugar exatamente na linha de onde estava o microfone do Peter Hook, e dois novos amigos que conheci na fila ficaram exatamente na minha frente, mas sem comprometer nada. Depois, coloquei pra frente uma moça baixinha que estava atrás de mim. Batendo papo com ela, descobri que ela era peruana, que estava mochilando aqui no Rio, e quando soube que ia ter show do NO, comprou ingresso logo. Ótima ela.

Enquanto o show não começava e a pista não enchia muito, deu pra
circular um pouco, encontrar amigos, pra amigos me reconhecerem (cara deve ter pensado: "esse aí parece o Expedito lá do orkut, e ele disse que estaria com uma camiseta com a interrogação do best of..."), essa coisa toda.

O tempo foi passando. A pista encheu, mas não chegou a entupir de
gente, pra ficar aquele clima de mega-aperto. Dava pra, digamos, o pessoal se movimentar sem riscos de trombar com quem estivesse ao lado. Som mecânico rolando nos auto-falantes, com direito até a “White Lines” do Grandmaster Flash! O tempo foi passando: nove e meia... dez horas... dez e vinte... por volta das dez e meia, o palco escurece, uma tema western começa a tocar, e a banda entra no palco. Não cheguei a chorar, mas eu tremia de felicidade vendo aqueles caras de perto. Bernard se apresenta dizendo "Good evening, we are New Order", anuncia "This is 'Crystal'" e a festa começa. Duas, talvez três gerações cantando junto, pulando, empolgadas, alguns até em transe! Um Bernard Sumner em trajes sóbrios e escuros, mas empolgado em estar tocando pra um público tão fanático. Peter Hook, que já tem carisma em excesso naturalmente, estava com uma camisa daseleção brasileira com seu nome ás costas, e, mesmo meio de cara amarrada, ele deu seu show particular. Caras, bocas, poses, mas a competência de sempre. O baterista Stephen Morris, sempre na dele, impressiona pela calma com que castiga seu kit de bateria, especialmente nas músicas mais antigas, que exigem mais esforço físico. E, tímido e sabendo de seu papel de coadjuvante, mas necessário à banda, o jovem Phil Cunningham ficava à esquerda da platéia, agitando á sua maneira, mas ele é competente, embora não tenha o fator charme que Gillian Gilbert dava à banda.

Daí em diante, a coisa só fez melhorar. "Regret", a segunda música, também levantou todo o público, e na seqüência começou a "Sessão Nostalgia", com "Ceremony". E á essa altura minha voz já começava a ir embora. Acho que no "This is why events unnerve me, they find it all, a different story" minhas cordas vocais avisaram que iam pifar!

O bloco seguinte teve duas canções dos tempos de Joy Division: primeiro, a nem-todo-mundo-conhece "These Days", que originalmente foi lado B de um certo single clássico, mas que é uma das minhas prediletas daqueles tempos, e o clássico "Transmission". Nessa hora, acho que pela primeira vez a galera toda cantou MUITO alto! Dance, dance, dance to the radio, people! Tinha até gente na platéia tentando dançar como Ian Curtis...

De repente saltamos de 1978 para 2005, e as caixas de som do Vivo Rio são tomadas pelos acordes de "Krafty", com sua melodia pop perfeita. A música já é boa no disco, ao vivo ela cresce bastante. Bernard chega a fazer mímicas acompanhando a letra! Emendando com ela, temos mais uma do último disco, a faixa-título "Waiting for the Siren´s Call". Mesmo com uns problemas no som da bateria e nos vocais, a execução foi praticamente perfeita, e minha voz, à essa altura, já estava mais que comprometida. Nesta música, inclusive, Bernard Sumner brincou com a letra, encaixando o Rio nos versos “Gonna catch the midnight train, first to Paris, than to Spain”, trocando a capital francesa pela Cidade Maravilhosa. Pena que poucos tenham sacado a brincadeira.

Suspense no ar. Termina WFTSC e Bernard pega a escaleta, uma espécie de piano de sopro, que parece mais um brinquedo. Começa a batida, e voltamos no tempo de novo, desta vez com a melancólica, mas lindíssima "Your Silent Face". Público levanta, Hook dá um show de baixo, e Bernard canta sutilmente ao final da letra, "you caught me at a bad time, so why don´t you piss off?". Talvez o recado fosse pro técnico de som do Vivo Rio, já que ele e Hook reclamaram o show todo de falhas, que eu mesmo não percebi ouvindo – percebi depois que os problemas ficaram mais nítidas pra quem estava do meio pro fim da pista, mas deu pra ver claramente, na cara em especial do Hook, o mau humor com as condições sonoras.

Prosseguindo com o show, depois de “KW1” (outro nome pela qual é conhecida “Your Silent Face”) a banda emenda com “Turn”, bela faixa do último disco. O arranjo dela, ao menos pra mim, lembra muito as faixas mais acústicas do clássico disco Technique, de 1989 – disco que tem sido solenemente ignorado pela banda nas últimas turnês, sem maiores explicações. Pois bem, embora não tenha levantado o público, “Turn” funciona bem ao vivo, e agradou.

Eis que chega a hora da sucessão de hits. Os primeiros acordes soam estranhos para alguns, mas o novo arranjo de “True Faith”, assim que foi reconhecido pelo público, causou comoção generalizada. Bernard errou a letra, atravessou o instrumental, mas clássicos são imortais, mesmo quando executados de forma torta. E ali todos podiam berrar bem alto “I feel so extraordinary...”.

E extraordinária foi a reação minha e do público ao maior hit da banda por aqui, “Bizarre Love Triangle”. Bernard, sabendo que o público gosta e sem nenhum medo do ridículo, faz dancinhas desengonçadas – nessa hora eu percebo que se ele pode, eu tb posso - , ajoelha-se no palco, dá um verdadeiro baile enquanto canta, acompanhado pela multidão, o que é provavelmente o refrão mais famoso do pop eletrônico: “every time I see you falling, I get down on my knees and pray...”. Todos ali estavam mesmo rezando, mas pra que tudo aquilo fosse eterno.

Após BLT, o New Order voltou mais alguns anos no tempo e tocou aquela que os membros já disseram algumas vezes ser a canção preferida deles em shows: “Temptation”. A música, que já era bem conhecida e tornou-se um grande clássico após ser usada na trilha do filme Trainspotting, tem uma carga emocional e roqueira que faz até o mais insensível dos fãs tremer na base. O “duelo” musical entre Bernard e Peter Hook hipnotiza durante longos minutos, e a letra mostra a cumplicidade entre banda e público, dizendo “I´ve never met anyone quite like you before”. E ainda haveria muito por vir.

Iniciados os acordes de “The Perfect Kiss”, começa mais uma catarse no público, que canta, dança, grita, sacode, acaba com a voz, faz tudo pra mostrar que aquilo era tudo que eles queriam. Os longos minutos do clássico, incluindo alguns dos melhores momentos de Peter Hook, seja no baixo ou castigando a bateria eletrônica, são apenas o preparativo para, ainda com os últimos acordes de TPK no ar, aquela batida que todos querem ouvir. Ou como Stephen Morris declarou em entrevista ao Fantástico: “se não tocarmos “Blue Monday”, o show não acaba”. E pois bem, os acordes mais que clássicos surgiram nos falantes, e um gigantesco transe tomou conta de toda a platéia. Já falaram tanto sobre “Blue Monday” que nem vale a pena encher mais lingüiça. Basta lembrar o que Neil Teenant, do Pet Shop Boys, diz a respeito: “Eu e Chris (Lowe) estávamos tentando desenvolver algumas batidas, só que um belo dia de 1983, surgiu um single, com a capa imitando um disquete. A música, “Blue Monday”, era exatamente aquilo que eu pensava em fazer, mas não fazia idéia de como fazer”. Ou seja, BM é um daqueles clássicos eternos, que são a identidade de uma banda, ou mesmo de toda uma época. Até meus pais reconheceram a música quando tocou no Fantástico dias antes. Mamãe chegou a dizer: “Expe, eu conheço isso porque você escuta esse treco direto há quase vinte anos, e acabou entrando na minha memória”. E ouvir isso ao vivo, com os caras do NO a cinco metros de mim, foi indescritível. Foram seis, sete minutos que pareciam que estavam durando uma eternidade. Até agora a batida soa nos meus ouvidos.

O show dá uma parada de alguns minutos, pra todos se recuperarem do desfile de hinos do rock/pop eletrônico que rolou minutos antes. A banda retorna, ovacionada, e Bernard pergunta pra platéia se querem ouvir “Shadowplay” ou “She´s Lost Control”, ambos clássicos dos tempos de Joy Division. A massa escolhe a segunda, e o delírio recomeça. O vocalista se esforça pra emular o estilo de cantar de Ian Curtis, e consegue a simpatia do público, que a essa altura do campeonato está mais que extasiado.

A hora do surto. Poderia definir assim o momento em que vi Bernard pegar novamente a escaleta pra próxima canção. Um turbilhão de coisas vieram em mente, uma descarga enorme de adrenalina... e começam os acordes de “Love Vigilantes”, uma das eternas preferidas da casa; a faixa de abertura do meu disco preferido (Low Life). Minha voz, que já estava ruim àquela altura, acabou de vez com essa música. Foram poucos, mas belos minutos de transe, eu devo ter ido pro além e voltado nessa. Sobrevivi.

Outra pequena pausa, expectativa, todos sabiam que outro hino do rock seria executado em instantes. Já anestesiado por tudo que vinha antes, resolvi relaxar. Como não consegui cumprir a promessa de ligar pra uma grande amiga na hora, liguei a câmera no modo de filmagem e só fiz esperar. Banda no palco, tudo pronto, começa “Love Will Tear Us Apart”. Delírio é um termo que pode se encaixar. Reverência é outro. A platéia urra, alguns choram, outros não conseguem expressar o impacto do clássico. São quatro minutos divinos, e o sinal de que o sonho está acabando. Como estava escrito no amplificador do Peter Hook, “it fell apart”.

Show terminado, foi a renca toda para a saída dos camarins. Chegamos a ver o Bernard Sumner saindo, mas um maluco resolveu ajoelhar-se diante dele, e acabou assustando o vocalista. Nem deu pra sacar a câmera àquela altura. Mesmo com essa vacilada, a turma ficou até alta madrugada batendo papo, como se todos se conhecessem in loco há anos. Tinha gente ali com quem conversava desde 1997 e nunca tinha visto a cara. Bacana demais.

Curiosamente, rachei o táxi do MAM pra Copacabana com Rogério, o maluco que ajoelhou-se diante do Bernard Sumner. Cheguei por volta das 3 da manhã na casa do meu amigo Gabriel, e o resto é história. Agora eu posso morrer feliz. O show da minha vida, eu vi, estava lá. Agora é tocar a vida pra frente.

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